quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Histórias

Relato enviado pelo leitor Luiz Fernando Ozawa, advogado em Balneário Camboriú.
Chuva de lágrimas, enchente de tristeza

Preciso fazer um relato, e só um relato.

Confesso que ultimamente tinha desistido da “humanidade”, questionando-me até a sua existência como uma “força sensível” existente nos humanos.

Mas o flagelo das chuvas da nossa região, as enchentes, enxurradas e alagamentos, deram um forte golpe no meu ceticismo.

Obviamente, como qualquer outra história política moderna, quem sofre são as classes do pé da cada vez mais longilínea pirâmide social que insistimos em alimentar, mas não é esse o propósito agora.

Quero falar da quantidade de donativos que vi. Nas poucas horas que ajudei e no pouco que fiz, testemunhei uma das coisas mais bonitas da minha vida: a solidariedade – que pensava não mais existir.

Roupas, comida, utensílios. Restaurantes ditos "chiques" da Avenida Atlântica doando marmitas (e não pensem em resto de comida... camarão, e tudo o que há de melhor).

Padarias doando pães quentes. Anônimos compraram estoques nos mercados, a exemplo de velas, para doação. Outros se dispunham ao transporte dos donativos. Colchões eram doados novos. Carrinhos de bebê, fraldas. Roupas em perfeito estado. Centenas de calças jeans, centenas de cobertores e roupas de cama. Roupas quentes. Travesseiros. Malas inteiras, elas inclusas, foram doadas.

Muitas cestas básicas, com um detalhe: algumas cestas básicas vinham pela metade, o que pressupõe que as famílias tiraram de si para outrem. Alimentos como massas, arroz e feijão foram doados. Pessoas preparavam sopas e traziam ainda quentes.

Isso sem falar nas pessoas que se dispunham a oferecer abrigo em suas próprias residências, bem como aquelas centenas de voluntários que a toda hora se prontificavam a trabalhar, seja lá qual a função. Barqueiros e donos de lancha resgatando pessoas ilhadas em suas próprias casas.

Confesso que chorei ao entrar no ginásio da escola cheio de donativos e de voluntários. A imagem de milhares de pares de calçados enfileirados, anônimos ao chão separando roupas, correntes humanas descarregando água mineral, somado ao retumbante silêncio que tomava conta do ambiente, foi o suficiente para arrancar-me lágrimas que expulsavam parte do ceticismo do corpo. Lembrou-me cena de guerra, das que vi em filmes e em Auschiwitz.

E eu que pensava não haver mais a solidariedade.

A desilusão é realmente revolucionária.

Mas não me perguntem agora sobre outras causas e conseqüências, porque não parei para nisso pensar, e, afinal, como disse, é apenas e tão somente um relato – só um relato.”

3 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito o texto... sou de Jaraguá do Sul e senti a mesma coisa ao ver o local de arrecadação de donativos da cidade, além dos mutirões sendo feitos para arrecadar doações daqueles que não tinham como leva-las até lá. É nessas horas que vejo também que as pessoas ainda são boas, isso renova a esperança no mundo. É uma pena que precise ocorrer uma tragédia desse tamanho para despertar um bom sentimentos em alguns.

Anônimo disse...

Realmente, perfeito.

Desta vez, como vítima, pude observar que as pessoas saíram de seu cantinho aconchegante, botaram o pé na lama para amenizar o sofrimento e o desespero de quem estava desnorteado.

Uma lição, para todos nós.

Precisamos, uns dos outros. E, com certeza, podemos contar uns com os outros.

Anônimo disse...

Estou sem palavras...